Fábula Adulta
Hard Candy
O cinema independente americano continua a ser um nicho de descoberta e exploração de novos caminhos e histórias, neste caso verificamos que um orçamento reduzido e 2 actores em estado de graça se pode realizar um filme poderoso, realista e que nos faz pensar.
O filme inicia a sua história com a marcação de um encontro real entre Hayley (Ellen Page), uma jovem de 15 anos e Jeff um fotografo da moda (apenas fotografa teenagers menores de idade) na casa dos 30´s (Patrick Wilson), após terem iniciado um relacionamento por intermédio de um chat da Net. A ideia de pedofilia começa logo a tomar lugar e vamos verificando com o desenrolar desse encontro a forma como ambas as personagens interagem, um predador (Jeff) e a sua presa (Hayley), sempre com conversas recheadas de sub-entendidos de teor sexual.
Hayley aceita visitar a casa de Jeff, tornando-se inclusivamente mais disponivel e preparando ela própria as bebidas com a desculpa de que foi ensinada a nunca aceitar bebidas preparadas por um estranho. Jeff acaba por ser dopado por Hayley, iniciando-se assim uma reviravolta no argumento e nas convenções num jogo de tortura para que este confesse a sua verdadeira identidade.
Trata-se de um dos filmes mais surpreendentes do ano e também dos mais brutais, tudo se passa apenas com os 2 interpretes numa casa de linhas modernas em que a violência nunca se vê mas sente-se, são estes os filmes mais interessantes em minha opinião. Ellen Page (que faz de Kitty Pride no filme X-Men 3) tem uma interpretação soberba enquanto jovem inocente/anjo torturador e Patrick Wilson representa cada espectador, dado que ficamos sempre na expectativa do que se segue.
A realização de David Slade é original e forte, baseada num argumento inteligente de Brian Nelson, através de um ping pong constante entre as 2 personagens principais. O filme convida ao debate e deixa no ar bastantes questões, nomeadamente: relacionamentos online; a forma simples como os pedófilos se conhecem entre si e participam em actividades ilícitas conjuntas; o modo como os pedofilos retraem a sua personalidade abusadora e as suas experiências em desculpas estéreis e personalidades inocentes, tendo em vista a auto- justificação.
Além do que já referi, é um filme onde o poder do diálogo se sobrepõe à acção, é através da conversa que nos vamos apercebendo da real identidade de Jeff e da falsa inocência de Hayley... inclusivamente do prazer desta em desmascarar e incutir medo ao primeiro. O facto do filme não apresentar respostas para todo o pathos do filme (a razão Hayley fazer o que faz e como obteve as informações de que dispõe) torna-o ainda mais interessante e perturbador.
Um filme a não perder composto por muita garra, poucos meios, excelentes interpretações e um tema que, infelizmente, se torna cada vez mais actual. Não o percam porque é das poucas pérolas cinematográficas actualmente em exibição e só lamento que tenha estreado em época de Verão, este filme merecia outra altura para ser devidamente apreciado...
Carpe Diem.