A Violência Interior
Uma Historia de Violencia
Ultimamente não tenho colocado textos nos filmes que vou assistindo, optando antes por "postar" as imagens, mas um filme de um dos meus realizadores preferidos (o segundo porque o primeiro será sempre David Lynch de quem espero ansiosamente o seu "INLAND EMPIRE"), David Cronenberg.
Trata-se do seu filme mais comercial e entende-se porquê já que as suas marcas, aparentemente, não se encontram presentes. Digo aparentemente porque, no fundo, mesmo num filme por encomenda (foi uma forma de compensação ao estudio pelo fiasco comercial do belíssimo Spider) e escrito por terceiros (Josh Olson) se encontram todas as marcas do cinema de Cronenberg.
A história do filme gira em torno de uma familia de classe média, que reside numa pacata cidade do interior dos EUA (Millbrook) onde todos se conhecem e acontece o verdadeiro "american dream", no entanto, nem tudo o que parece é... Tom Stall (um brilhante desempenho de Viggo Mortensen) é um pacato habitante da cidade, casado com Edie (Maria Bello), advogada, de quem tem dois filhos (Jack e Sarah). A vida corre normalmente, até ao momento em que 2 assasinos entram no café de Tom com o objectivo de o assaltar, mas nem tudo corre como o previsto, pois este enfrenta-os, resultando nas mortes de ambos.
Claro que poderia ser o acaso do destino ou uma forma de auto-protecção mas, quando Tom se torna famoso nas noticias de todos os canais televisivos americanos, surge uma estranha personagem de nome Carl Fogarty (Ed Harris) que lhe chama Joey Cusak e isso irá criar-lhe problemas no seio da comunidade e sobretudo da familia.
Na verdade, o cinema de Cronenberg nunca se debruçou sobre o tema da familia e neste filme retrata-a de forma brilhante com a demonstração de que a violência parte da mente e não do aspecto ou da forma. Aqui reside um tema muito caro ao realizador, a ideia da transformação do corpo, seja ela fisica (A Mosca, eXistenZ, Irmãos Inseparáveis) ou psíquica (Spider e Crash) e neste caso a transformação é psiquica... toda a violência surge de forma fluente tal como respirar ou comer, faz parte do ser humano (e não é verdade?). Essa violência pode estar escondida de muitas formas, seja através da duplicidade ou da repressão (o caso do filho Jack), mas surge quando menos se espera.
No filme existem 2 sequências que anunciam a ruptura e a mudança de pensamento e de atitude dos personagens e que foram introduzidas pelo realizador (não fazem parte do argumento), no entanto enquadram-se muito bem: as sequências de interacção sexual do casal. A primeira é uma fantasia entre 2 pessoas que não viveram a juventude juntos e estão casadas há cerca de 20 anos, procurando apimentar a relação... já a segunda representa raiva, dor, explosão de sentimentos, libertação sem que resulte, necessariamente, em perdão.
Sem revelar muito do filme, quero salientar a interpretação fabulosa de William Hurt (nomeado ao Óscar), num perigoso e louco gangster. Não deixa de ser curioso, que o filme mais "mainstream" de Cronenberg esteja a ser conotado na imprensa como muito violento e de cenas sexuais explicitas, nem é uma coisa nem outra e quem gosta deste realizador sabe do que falo. Apenas me questiono se as pessoas que dizem isto viram filmes como "Crash", "Scanners", "Rabid", entre outros.
Não poderia terminar o meu texto sem referir a magnífica sequência final, onde o retorno a uma ideia de familia é feito por intermédio dos seus membros mais novos, mas um olhar transporta mais do que mil palavras (será perdão? tréguas? amor? mágoa?). Só pelos minutos finais este filme merece ser visto e vivido, definitivamente um dos melhores filmes do ano e que somente aparece agora nas salas portuguesas (é de 2005 e fomos os últimos a vê-lo) de forma inexplicável, mas antes assim do que em DVD.
Carpe Diem.